Da Tolerância
Tema: Filosofia
Tolerar o intolerável, não é uma forma válida de tolerância? A resposta é sim! Pelo menos se quisermos e ensejarmos que a tolerância seja uma forma sublime de virtude. Quando conceituamos que tolerância significa pura e simplesmente tolerar tudo, abre-se espaço e incide em coadunar com ações humanas deploráveis. A título de esclarecimento, podemos citar o estupro, genocídio, assassinato, furtos, etc. A virtude da tolerância justamente reside em promover uma reflexão, e um balizamento nas ações humanas quanto às suas naturezas, finalidades e consequências.
Indubitavelmente é preciso sim responder com convicção à pergunta colocada na primeira frase desta abordagem textual. Pois a resposta somente é válida se apoiada solidamente em argumentos que a preparem e justifiquem-na. Pensar não significa somente; pensar em qualquer coisa aleatoriamente e injustificadamente. Muito menos de qualquer jeito. A faculdade da razão comanda os pensamentos, dá estrutura e define uma regra, assemelhado ao que ocorre nas ciências. Poderíamos sim, contentar-nos com a frieza das leis carregadas de razão da ciência, onde às matematizações e a leis regem e explicam os fenômenos. Mas, não podemos, isto porque, ela não responde às questões essenciais e colocamos ou muito menos as dadas. Como por exemplo. É preciso fazer matemática? Não é possível dar uma resposta em forma de equação matemática para a pergunta. As ciências são verdadeiras? Também não é possível ter uma resposta objetiva para a pergunta colocada. Em se tratado da temática proposta nesta abordagem, podemos colocar o seguinte questionamento direto. O que é ser tolerante? E pronto! Novamente não temos uma resposta lógica e objetiva para fornecer. Enfim. Seguiríamos uma infindável lista de questões cotidianas e corriqueiras, sem resposta científica objetiva e clarificadora. Evidentemente isso não anula a necessidade de regrar o pensamento de modo racional para atingir um objetivo, uma resposta, a um questionamento de natureza complexa, como: “o que é tolerância?”.
A dubiedade da tolerância é elevada a grandes patamares, contraria à razão, e instiga o sentimento. Ainda falando de ciência, não é de forma alguma virtuoso e aceitável, tolerar erros e incongruências de uma teoria científica, por mais tradicional que seja. Pois justamente a ciência progride por meio de refutações e falseamento de teorias, é um corpo de conhecimento em constante questionamento, é tem seu motor de movimento incrível, baseado justamente no erro. Portanto ser tolerante em questões científicas, significa ignorância e comodidade intelectual, algo maléfico para a humanidade. Entretanto deve-se ser tolerante quanto a conceder a liberdade de pensamento ao cientista, o seu livre espírito deve ser preservado para objetar e especular as suas hipóteses científicas.
A problemática da tolerância, surge e aflora nas questões opinativas. E é por isso que gera grandes controvérsias entre as pessoas. O fato é simples; ignoramos muito mais do que sabemos, e o que verdadeiramente sabemos esta apoiado solidamente, em algo que ignoramos. É portanto uma problemática difícil de conciliar e aceitar. É tão dificultoso que propõe-se um questionamento simples aqui: “há como provar absolutamente que a Terra existe?”; “o sol existe?”; no caso de haver, “há como provar que a Terra gira em torno do astro solar?”. São questões que podem parecerem banais, mas que verdadeiramente não temos a certeza absoluta quanto a resposta. Na mesma questão que não tem haver com a tolerância do ponto de vista científico, poderá e deverá ter haver do ponto de vista filosófico, moral e religioso. Outra questão pertinaz é a teoria evolucionista de Charles Darwin, as suas postulações foram colocadas a prova, e resistiram ao teste, neste caso tanto os que defendem-na ferrenhamente, quanto os que refutam-na na mesma intensidade, demonstram-se intolerantes. É um tipico caso de que a tolerância não pode ser matematizada nem teorizada de forma clara e conceitual. Entretanto não se personifica como virtude tolerante a imposição dogmática e radical de uma ideia, sem a respectivo apelo à razão e a estruturação do pensamento, sendo sim a prova de total de vil intolerância.
Porém, uma tolerância de cunho universal e abarcadora de todas as generalidades humanas, seria claramente imoral. Isto porque, violaria os direitos individuais, e abandonaria as vítimas por exemplo do fascismo, nazismo e socialismo dogmáticos que foram brutalmente avassaladores das liberdades humanas e promoveram um genocídio em massa.
A tolerância só vale contra a si mesmo e a favor de outrem. Indubitavelmente não há tolerância quando não tem-se nada a perder, ou melhor dizendo, quando as suas ideias são inclinadas e coadunadas com as do próximo, há ai sim, uma simbiose, uma concordância. Não se pode dizer por exemplo, que você é tolerante às questões homossexuais se você concorda e aceita-a de todo o ser. És somente classificado como tolerante neste aspecto se no seu íntimo ser, abnega e condena-a, mas respeita a posição individual de cada um. É muito fácil, politicamente correto e conveniente ser tolerante em questão que somos inclinadamente favoráveis. O grande e vital detalhe é sermos tolerantes e aceitarmos de bom grado, opiniões diferentes e antagônicas às nossas.
A tolerância deve ser sim seletiva. Mas seletiva em assuntos e questões que vilmente promovem a miséria humana, a escravização da liberdade individual e o aprisionamento do pensamento.
(Fonte: Pequeno Tratado das Grandes Virtudes – André Comte-Sponville)
Daniel Marin RS
Enviado por Daniel Marin RS em 25/12/2020