Ilusão Oracular
O Oráculo de Delfos na Grécia Clássica era local de peregrinação intensa dos gregos pelos idos do século VI a.C., tinham uma convicção plena de que às previsões oraculares escondiam uma verdade inexorável. Contudo, tudo tem um pano de fundo que esconde uma verdade mais ou menos ambígua, ou seja, “tudo depende do ponto de vista”. Reza a tradição oral, que as primeiras predições supostamente teriam ocorrido quando um pastor de ovelhas conduzia o rebanho pelas imediações e de forma acidental inalou gases que provinham das fendas das rochas. Momentos depois o pastor teria entrado em transe e falado confusamente o que se julgou serem previsões. Evidente que os gregos, uma civilização pautada pelo racionalismo, num primeiro momento não levaram a sério às previsões balbuciantes do pobre pastor. Mas quando as previsões supostamente começaram a se realizar, o pastor foi então levado a sério. E então eis que surge uma explicação mais ou menos racional e tangível para os padrões daquele tempo. O pastor ao inalar os vapores das fendas que provinham das entranhas da terra, teria tido contato direto com o deus Apolo. Bom! E esse foi o início do Oráculo de Delfos.
Evidentemente que não cabe aqui julgarmos a veracidade ou mesmo a infantilidade daqueles períodos. Fato que através dos tempos, as Pítias, que eram às supra-sacerdotisas do Oráculo granjearam fama não só no mundo grego, mas igualmente nos povos mediterrâneos, e ai se incluem Romanos e Egípcios como os que mais as consultavam. Suas previsões eram confiáveis!
Essa história pode soar como infantilizada ou mesmo fruto de um barbarismo atribuído a sociedades passadas. Muito embora somos tributários dessas culturas Clássicas que "iluminaram o mundo" com os seus saberes.
Porém atualmente nos deparamos com um novo Oráculo Délfico, muito confiável a priori, e acima de qualquer suspeita do ponto de vista de assertividade. É a Inteligência Artificial!
Os algoritmos baseados em Inteligência Artificial ocupam um papel de protagonista nas previsões e nos processos que se abrem nos campos empresarial, educacional e governamental, bem como na vida cotidiana das pessoas. Em que pesem estarem assentes na questão científica, muitos algoritmos são de dificílima implementação e até entendimento procedural. A citar-se com a finalidade de ilustrar o tema, o algoritmo de Naive Bayes, que objetiva classificar dados e usar probabilidades para tarefas que ensejam classificar textos e filtrar spans, evidentemente algo muitíssimo em voga hoje. Este algoritmo é baseado do Teorema de Bayes, sendo classificado como algoritmo de aprendizado de máquina supervisionado. O aprendizado de máquina é um dos campos mais profílicos e abstratos da Inteligência Artificial. Portanto tem uma visão "oracular" das previsões futuras, baseados na "inteligência" per se assemelhada à humana só que exponenciada.
O que se vê então é uma crença exacerbada na infalibilidade dos dados indexados e classificados pelos algoritmos. Mudam-se as estruturas das aplicações tecnológicas, as empresas e governos, as próprias pessoas confiam cada vez mais piamente a ponto de ensaiarem certo dogmatismo axiomático. Crescendo a dependência da Inteligência Artificial, a ponto de levar a uma inexorável abolição da crítica, da benéfica dúvida, do falseamento das verdades absolutistas. Confia-se a princípio em previsões baseadas em processamentos de dados, em verdades que não são questionadas e corre-se o perigo de cair em ficções banais e irreais.
Este apanágio não objetiva demonizar e execrar a Inteligência Artificial, pelo contrário, justamente serve para questionar às verdades absolutas do que vemos na rasura das certezas, e que move e performa a Ciência e a Tecnologia. Qualquer sistema que não tenha um mecanismo de prever suas falhas é já per se falível.
O grande problema colocado aqui é que não se objetiva negar e atrofiar a inovação tecnológica, mas sim atentar para o fato de que sermos desprovidos de carência, ausência de dúvidas, e de ceticismo epistemológico é sim trágico. Bom! O futuro realmente pertence a quem questiona com sagaz e benéfico ceticismo, e desconfia de verdades impostas.